terça-feira, 29 de julho de 2014

Esaú e Jacó

Propus trazer, para este espaço, breves informações sobre leituras recentes pelas quais tenho me dedicado. Os poucos (mas atentos!) leitores do blog certamente já perceberam esse modus operante, haja vista que algumas das últimas postagens estão diretamente relacionadas a títulos que facilmente são encontrados nas estantes de quem encontra prazer na literatura. Espero, assim, tornar isso aqui um pouco mais sério, senão atrativo, enquanto continuo na eterna busca pela identidade do blog. 

Pois bem, realizadas as (des)necessárias explicações iniciais, vamos ao que interessa sobre Esaú & Jacó, uma das mais clássicas obras do maior escritor do Brasil, quiçá do mundo, Joaquim Maria Machado de Assis.

Para começar, cabe dizer que o livro não remete aos primórdios da música sertaneja no Brasil. Se o título soa familiar é porque faz alusão à passagem bíblica encontrada no livro do Gênesis, a qual retrata a inimizade e reconciliação dos filhos gêmeos de Isaque e Rebeca. No entanto, o enredo está centrado na vida dos irmãos Pedro e Paulo e é narrado pelo diplomático conselheiro José da Costa Marcondes Aires – personagem também encontrado na obra Memorial de Aires, de 1908. A história se passa no Rio de Janeiro, em época de transição política da Monarquia para a República. 

Os protagonistas Pedro e Paulo são figuras completamente opostas. Diferentemente do que prega a lei da atração, conflitam-se desde útero materno e, mais tarde, estendem suas diferenças para outras esferas sociais, como a política, por exemplo. Diferenciam-se, também, em seus temperamentos e interesses pessoais e acadêmicos: Pedro está para a dissimulação e cautela, enquanto que Paulo para o arrojo e impetuosidade. O primeiro busca as leis do Direito; o segundo, a ciência da Medicina. 

Porém, no meio de tantas diferenças, é possível encontrar dois pontos comuns entre os irmãos: o amor pela mãe, Natividade, e a paixão por Flora. E, por elas, a reconciliação de Pedro e Paulo acontece duas vezes, em situações semelhantes, mas que não me dá o direito de simplesmente contar aqui. 

Esaú & Jacó representa uma parte das incontáveis famílias que, até hoje, continuam suas atividades parlamentares no Brasil. E olha que o texto foi escrito no século passado.
26/jul-2014

quinta-feira, 17 de julho de 2014

todos os nomes

Conheces o nome que te deram, 
não conheces o nome que tens. 

Todos os nomes apresenta ao leitor as aventuras do senhor José, um solitário auxiliar de escrita da Conservatória Geral de Registro Civil da cidade, que possui o hábito – peculiar como todo hábito há de ser - de colecionar recortes e verbetes de personalidades famosas. 

Residente em uma pequena casa que divide paredes com seu próprio local de trabalho, a Conservatória Geral de Registro Civil da cidade, mal sabe o senhor José que na tentativa de complementar sua coleção com informações sigilosas das personalidades famosas, pelas quais somente funcionários da Conservatória têm acesso e, mais especificamente ele, por ter entre seu quarto e o arquivo dos registros apenas uma porta que os separa, encontrará o senhor José, por acaso, a figura de uma mulher anônima e desconhecida, como descreve o autor, que será responsável pela jornada mais intensa da vida tão pacata deste singelo protagonista. Responsabilidade, esta, atribuída à mulher desconhecida até o momento em que o leitor percebe no texto, via fragilidade do senhor José, o quão cada um de nós é responsável por suas escolhas e consequências que elas nos trazem. 

A capacidade de Saramago transformar questões cotidianas em grandes fatos a serem narrados reforça o que há muito tempo os cientistas da subjetividade humana procuram alertar: somos afetados de maneira e intensidades diferentes por àquilo que a primeira vista tem a mesma matéria, por mais simples que aparentem ser. Internamente, produzimos histórias, vivemos odisseias, criamos e reproduzimos pequenos mundos com valores próprios e que, quando confrontados, supomos se tratar de subestimação do que carregamos. 

O título da obra, por exemplo, supostamente remete ao que é parte diária do trabalho do senhor José, e vincula o enredo às suas atividades laborais na Conservatória Geral do Registro Civil que, por sua vez, guarda todos os nomes e informações dos habitantes da cidade. Isso não implica que os demais personagens também sejam nomeados. Pelo contrário: José é o único a ser chamado pelo nome. Significa dizer que, mesmo frente a rotina diária a que estamos expostos, ainda há espaço para valorarmos nossa história e o que nos é subjetivo. Nomear, em outras palavras, é atribuir existência. 

Únicos mas plurais, como em ensaios anteriores, novamente somos nomeados José. Para proceder a partir disso, não identifico outra pergunta que cause movimento senão essa: E agora

17/jul-2014

segunda-feira, 14 de julho de 2014

psicologia dos anjos

Por Tonio Luna e Angelo Horst

Algumas vezes recebo e-mails de estudantes de Psicologia com dúvidas sobre a profissão. Especialmente alguns parecem mais idealistas, no melhor sentido da palavra. Seguem abaixo as conversas eletrônicas de um deles que prendeu muito minha atenção, em um momento de decisão de nossa conversa. Minhas perguntas têm, como sempre, a intenção de provocar algum movimento.
PSILVA - Política e cidadania são a mesma coisa, em línguas diferentes. Por que falar nisto ao invés de copa e futebol?
ANJO - Talvez porque, ganhando ou perdendo a copa, durante os próximos quatro anos iremos discutir futebol. Cidadania? Talvez voltemos a falar dela somente daqui há dois anos. Se fôssemos políticos, com a mesma intensidade que somos técnicos de futebol, cidadania não precisaria ser ensinada na escola.
PSILVA - Será esta escolha uma questão de prazer, ou seja, escolho o futebol por que é mais fácil? Mas a política, no bom e mau sentido, também influencia o futebol não é?
ANJO - Afinal, se perdermos a copa, a culpa é do Dunga. Se perdermos quatro anos politicamente, a culpa é de quem? Ninguém quer carregar esse fardo, ninguém quer ser responsável. E mais importante do que a política influenciar o futebol é não deixar esta ser influenciada por ele.
PSILVA - Mas futebol não é esporte, não é saudável?
ANJO - E muito! Sobretudo para quem pratica. Uma política saudável requer atuação, como uma equipe unida. Se não quisermos nos tornar sedentários de direitos, precisamos “correr atrás da bola”. Torcer é importante, mas não o suficiente. Se fosse assim, teríamos ganho todas as copas do mundo...
PSILVA - Acho que você se aproveita do fato de ser estudante para dar uma resposta tão pouco psicológica. Onde está a Psicologia nisto?
ANJO - Como terapeuta, pensei que você fosse capaz de reconhecê-la nas entrelinhas. Ou a tua Psicologia limita-se aos quatro cantos de seu consultório e às “faltas cometidas” pelos teus pacientes?
PSILVA - Ah, há quanto tempo a Psicologia fica como algo reconhecido nas entrelinhas. Chega de marginalidade, de espaços imaginários, de lugares seguros e defendidos pelos pensamentos. Isto sim é limitar algo em quatro quantos! Não está na hora de se explicitar o que se quer?
ANJO - Que sejamos agentes de mudança e não, como no futebol, apenas meros expectadores da política e da Psicologia. O verdadeiro cidadão é aquele que se reconhece como parte das decisões políticas de seu país e, principalmente, dos rumos de sua profissão ano a ano, dia após dia.
PSILVA - Uma resposta política, esta, a sua. Quando não sabe o que responder ou não quer se comprometer, usar obviedades. Que tal ser mais sincero e me responder a pergunta anterior?
ANJO - Conferências, Mobilizações contra o PL do Ato Médico, Pré-Congressos, Congresso Regional de Psicologia, Congresso Nacional, Eleições no CRP, para citar alguns. Quantas oportunidades destas você aproveitou?
PSILVA - Aproveitei-as todas e juntei um monte de certificados. O que seria aproveitar oportunidades em sentido pleno?
ANJO - Não desmereça aqueles que, diferente de você, buscam mais do que “juntar” certificados. Eles encontram sentido pleno ao perceberem que seus certificados não têm relevância se os rumos de tua profissão e de teu país forem os piores.
A partir deste ponto a correspondência ficou deliciosamente impublicável e pessoal. Sei que encontrei um futuro psicólogo que, descendo dos céus, terei orgulho de ter como colega de profissão.

Agradeço ao estudante de Psicologia Angelo Horst por dar vida a este texto.

Ilustração: Ademir Paixão

Texto originalmente publicado na coluna "Psicólogo da Silva" da Revista Contato  (Conselho Regional de Psicologia do Paraná), edição 70, jul/ago de 2010. Qualquer relação com a ressaca moral atualmente vivida é mera coincidência.

terça-feira, 8 de julho de 2014

breves reflexões sobre a morte

Senhoras e senhores, trago boas novas: 
eu vi a cara da morte e ela estava viva!

Tenho refletido muito nos últimos meses sobre o fim da vida. Mas antes que isso lhes pareça um fantasiado pedido de ajuda, aviso que minhas reflexões não possuem ideações suicidas.

É que sempre tive muito medo da morte e do que viria depois dela (para quem vai e para quem fica). Lembro-me que, quando criança, não foi uma nem duas vezes que me vi perguntando aos familiares como era o luto da morte. Suponho que, para mim, este estava muito mais relacionado à expressão física da dor da perda, refletida no pranto dos entes ao redor, do que propriamente ao “sentir a morte” no dia-a-dia e na vida que haveria de continuar. Queria eu, criança, adiantar os sentimentos e me preparar de alguma maneira para o momento em que teria de enfrentá-lo(la) pra valer.

Luto, hoje eu diria, é muito mais do que fases e frases pelas quais a ciência se ocupa. Ele é a nossa expressão mais subjetiva possível, que apresenta nosso lugar no mundo e na história, nos confronta e nos demonstra de quão aparatos frágeis somos compostos. A morte, portanto, deveria ser tema constante nas disciplinas curriculares do círculo familiar e das escolas. Assim, quando precisássemos enfrentá-la, saberíamos lidar com nossos pensamentos e manifestações oníricas que ora trazem a presença de quem já foi, e ora tendem a marcar apenas a sua falta, de uma maneira que nos fosse menos assustadora possível. Na morte e no luto, o verbo elaborar está intimamente ligado às fantasias e medos, e ocupa grande parte de nossas vigílias e de nossos sonhos.

Mas morrer é parte da vida e do jogo, como bem alerta a tanatologia. Nasceu, morreu – é assim e não há alternativa. Mesmo que isto soe deveras racionalista, a verdade é que se a própria vida não é eterna, não há motivos pra que a morte também o seja: o corpo se transforma em pó, as lágrimas em lembranças e a morte vira abstração. Senti-la, então, passa a ser um constante "carregar as marcas" do que já foi e de tudo àquilo que poderia ser. 

08/jul-2014