quarta-feira, 12 de junho de 2013

cantada

Você é mais bonita que uma bola prateada
de papel de cigarro
Você é mais bonita que uma poça dágua
límpida
num lugar escondido
Você é mais bonita que uma zebra
que um filhote de onça
que um Boeing 707 em pleno ar
Você é mais bonita que um jardim florido
em frente ao mar em Ipanema
Você é mais bonita que uma refinaria da Petrobrás
de noite
mais bonita que Ursula Andress
que o Palácio da Alvorada
mais bonita que a alvorada
que o mar azul-safira
da República Dominicana

Olha,
você é tão bonita quanto o Rio de Janeiro
em maio
e quase tão bonita
quanto a Revolução Cubana

Ferreira Gullar

segunda-feira, 10 de junho de 2013

amor com amor se paga

O mês de julho fecharia o ciclo do primeiro encontro. Na cama, consternados, acusaram-se de suas vidas sem nelas sequer se reconhecerem. Sabendo que ia te querer e te ficar querendo, eu simplesmente te quis – ele dizia trôpego enquanto ela, cerrando os olhos, argumentava coisas que não lhe cabiam mais.

Quem disse que na boca desce o que na cabeça passa? Embora recorrentes as frustrantes tentativas de ser vista – e não só olhada, naquele momento se permitiu de novo carregar o fardo caro e pesado de desejar em vão o desejo dele; cobraram-se a juros altos e, vítimas do não dito, pagaram ávidos um ao outro o que, na vida, apenas com amor se paga. 

10/junho-2013

sexta-feira, 7 de junho de 2013

navegar é preciso

1. Aos poucos você percebe que, paradoxalmente, a solução desejada nem sempre se dá no momento que você a busca e que, esta, quando encontrada, se revela bem mais simples e óbvia do que antes imaginada. É a arte da criação lapidada, seu processo em fase de polimento. 

2. Sendo a natureza por si só econômica, o mar por ofício é o desejo do rio. Não raras vezes seu leito insiste em contrapor seu curso e, sem querer, sucumbimos silenciados à contracorrente e seus caprichos: navegar não é tão preciso quanto diziam e a nascente que nos afastava passa a ser a foz que nos aproxima.

06/junho-2013

terça-feira, 4 de junho de 2013

da eterna procura


Só o desejo inquieto, que não passa, 
Faz o encanto da coisa desejada... 
E terminamos desdenhando a caça 
Pela doida aventura da caçada.

Mário Quintana

segunda-feira, 3 de junho de 2013

galinha

Galinha que se preza não utiliza o pescoço apenas para equilibrar a cabeça. Sua motricidade fina tem que ter, também, um quê de sedução para que se torne de verdade uma galinha plena, de bico, pena e tudo mais.

Não menos importante, seus ossos pneumáticos já lhe tornariam curiosa por ofício. Na prática o adjetivo não serve pra muita coisa, mas na técnica envaidece quem se atreve a soletrá-lo: p-n-e-u-m-á-t-i-c-o-s. 

As galinhas, convenhamos, são seres de outro planeta, que possuem visão independente, filtram espectros ultravioletas e, pelo princípio do atavismo, podem ter dentes outra vez. 

E, ao cabo de tudo isso, incrédulo, você ainda me pergunta – e daí? E daí nada, ora ovos! 

03/junho-2013