Pensa por ex. mais na morte, - & seria estranho em verdade que não tivesse de conhecer por esse fato novas representações, novos âmbitos da linguagem. (Wittgenstein)
Eu não me recordo da última conversa que tive com minha mãe. Mas lembro-me de que, numa das últimas vezes em que jantamos juntos, ela contou de um pesadelo sobre sua morte e do desespero por nos ver sofrer, lá de cima, sem nada que pudesse fazer a respeito. Lembro-me do silêncio na mesa e da troca de olhares, seguidos de uma repentina mudança de assunto introduzida pela clássica frase “que bobeira, falemos de coisas boas”. E foi assim. Dias depois, era eu quem me desesperava com a realidade no primeiro horário da manhã.
O esforço para reconstruir estas memórias vem acompanhado de uma pincelada de remorso. Quisera eu poder ouvir novamente as últimas palavras por ela a mim dirigidas. Diminuiria um pouquinho a saudade e me ajudaria a conservar a esperança que carrego de nunca esquecer sua voz. Além do mais, se assim fosse possível, aproveitaria eu para gravar a conversa nos áudios, burlando minha agenda de contatos para não precisar ter que excluir a palavra “mãe” do meu telefone. Então, bastar-me-ia um toque para que no outro lado da linha alguém me respondesse: “alô, filho?”.
Quero acreditar que tenhamos encerrado nossa última conversa com palavras de cuidado um para com o outro. Ficaria aliviado por saber que hoje (03), dia de seu aniversário, ela estaria menos desesperada por perceber, lá de cima, que tenho (e temos) buscado me (e nos) cuidar cada vez mais nos últimos dois anos, como ela sempre aconselhou. Certamente seria o seu maior presente.
Oxalá ainda estejamos a tempo de salvar quem amamos.
03/dez-2015