Sempre acabamos por chegar aonde nos esperam.
Em um dos últimos textos publicados eu disse que me sentia admirado com a nossa capacidade de transformar as chegadas, não raras às vezes, em partidas. Talvez eu quisesse usar o verbo “espantado” ao invés de “admirado”, para ilustrar de alguma maneira que as chegadas de uns são as partidas de outros (estava contaminado com o recente caso do copiloto alemão).
Para chegadas, leia-se cumprir com o objetivo. Não é necessário entendê-las de forma literal, como consequência somente de viagens. Chegada, aqui, é sinônimo de atingir o termo de um movimento ou de uma intenção. E afinal, qual é o movimento e intenção da vida?
Ilustração de João Amaral
Recorro novamente a José Saramago para falar um pouco mais sobre isso. “A viagem do elefante” narra parte da história de Salomão (ou Solimão), um elefante indiano que, após passar um tempo esquecido em Lisboa, é oferecido pelo rei Dom João III ao arquiduque da Áustria Maximiliano II (seu primo) em meados do século XVI. O livro em si não traz grandes fatos além da própria viagem, vencida nas patas, e conduzida pelas forças armadas ora portuguesas ora austríacas, com apoio do cornaca Subhro (ou Fritz). Parece que, dada à falta de registros históricos, o escritor precisou utilizar ainda mais de sua imaginação na construção do enredo que para alguns é romance e, para outros, conto.
Entretanto, o grande feito da obra é que esta poder entendê-la como uma metáfora da vida humana. Salomão (ou Solimão) é escolhido propositalmente como personagem central da história porque, sob essa ótica, representa a vaidade dos governantes na condução do Estado, preocupados muito mais com as aparências e os símbolos do poder. Também traz a tona o indivíduo (no caso Subhro, ou Fritz) que se utiliza do aparato estatal para seus interesses próprios (benefícios e lucros pessoais, especialmente nos episódios do falso milagre e da venda dos pelos de Salomão, ou Solimão). Além disso, o elefante ainda percorre seu trajeto sem saber aonde vai e quem o espera. Vence os caminhos tortuosos a ele impostos, tempestades, nevascas e morre um ano após chegar ao seu destino, tendo as patas que o carregaram transformadas em objetos de muito mal gosto.
Em resumo, pode-se dizer que a viagem do elefante se assemelha a longa estrada da vida. Por circunstâncias diferentes umas das outras, uma hora seremos recepcionados por quem nos espera. E então nossa chegada também poderá ser chamada de partida.
31/mar-2015