segunda-feira, 24 de novembro de 2014

dalton dá o tom

Dalton Trevisan, em 1960 

E sem que pudéssemos imaginar:

Dalton Trevisan lança seu 46º livro – O Beijo na Nuca

Sim, caro(a) leitor(a), é exatamente isso que você está pensando: o Vampiro de Curitiba está de volta. E, como sempre, sem dar as caras, discreto e surpreendente (e eu achando que não havia mais produção literária por detrás das janelas fechadas da casa de esquina na Ubaldino do Amaral...). 

O jornalista Daniel Zanella realizou uma não-entrevista com o escritor, publicada na edição de hoje da Gazeta do Povo. Ainda não deu tempo de ler o livro, que traz uma coletânea de 48 contos, mas pelas perguntas-respostas da entrevista, dá pra se ter uma ideia do que poderemos encontrar pela frente. Segue abaixo a íntegra:
DZ: Dalton, Curitiba surge em suas linhas como uma cidade de linguagem escura, como se aqui fosse até difícil chorar. Como faremos para nos libertar de nossa própria escuridão se até nosso principal escritor fulgura as trevas? 
DT: ... 
DZ: O Beijo na Nuca parece discutir as formas modernas do mal, embora não nos entregue uma cartilha de entendimento. Você acredita que escrever na extremidade dos horrores cotidianos não revela nossa ignorância sobre tudo? 
DT: ... 
DZ: Os labirintos de seus contos dizem mais do que a superfície de suas ruas, esquinas e becos. Pensas que até para ser vampiro em Curitiba é preciso criar o próprio labirinto e recusar quase completamente a existência? 
DT: ... 
DZ: A condição erótica ainda é o condutor invisível de O Beijo na Nuca. Entretanto, ela aparece numa intensidade menor, como a dizer que o sexo e o amor já não precisam ser denominados, intrínsecos ao nosso fardo. Ou será que estamos diante de um autor mais contemplativo e cronista? 
DT: ... 
DZ: Como não podia deixar de se perguntar sempre que estamos diante de um novo livro seu, irá ao lançamento? Negará até o fim os grupos culturais e a vida dentro da maçonaria literária? Nem mesmo no dia de morrer e, como você diz, ficar cego de tanta estrela? 
DT: ...

domingo, 23 de novembro de 2014

incenso fosse música

Mosaico criado pela artista Cida Carvalho (2000) e adquirido pela Faculdade Dom Bosco - Curitiba (2001)

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

literatura paranaense

Me dei conta e fui correndo na banca comprar um exemplar do jornal Gazeta do Povo de hoje. Alguma notícia impressa que merecia ser arquivada para mostrar aos filhos e netos ou simplesmente lembrá-la no futuro, como outras já guardadas? Não, a edição de hoje não traz nada de diferente daquilo que nos acostumamos a ver e ouvir na mídia nesses últimos dias (acostumar, que palavrinha perigosa!).

Mas traz, como nas duas últimas sextas-feiras, um volume específico da coleção Literatura Paranaense, coordenada pela Editora Inventa. Dormi no ponto e perdi a distribuição do primeiro e segundo volumes, que trouxeram escritos de Miguel Sanches Neto (Linhas Órfãs) e Manoel Carlos Karam (Jornal da Guerra Contra os Taedos), respectivamente, e agora estou torcendo para que o senhor da banca consiga recuperá-los em algum almoxarifado de Curitiba.


Mesmo para os não-assinantes, como eu, cada volume sai pelo convidativo preço de duas moedas de um real - que é o valor da própria edição diária impressa do jornal. Nada mal para o leitor que quer se aproximar um pouco mais dos escritores paranaenses.

Edição de hoje, 21, traz a obra Pequenices, de Domingos Pellegrini

Próximas obras a serem distribuídas:

28/nov - Ensaios e Anseios Crípticos, de Paulo Leminski
05/dez - Alegres Memórias de um Cadáver, de Roberto Gomes
12/12 - Infinita Sinfonia, de Helena Kolody

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

dia da consciência negra

Aludindo à morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, comemoramos nesta quinta-feira o Dia Nacional da Consciência Negra. Em meio ao imbróglio que envolve a definição sobre o feriado em Curitiba, a Câmara Municipal resgatou algumas injustiças cometidas e regulamentadas pelo poder legislativo durante o período da escravidão, no intento de justificar a aprovação do projeto de lei que torna o dia 20 de novembro feriado municipal na cidade. 

Certamente o feriado não pagaria sequer uma pequena parte da “dívida” histórica que temos com a população negra. Mas como é errando que se aprende e o aprendizado está intrinsecamente relacionado à memória, já diriam os neuropsicólogos, não custa rememorar em tom de alerta um passado nada distante que não queremos repetir (espero). 
(...) “Preciso acudir com remédios que evitem esta desordem: hei por bem que a todos os negros que forem achados em Quilombos, estando nelles voluntariamente, se lhes ponha com fogo hua marca em hua espádua (região posterior do ombro) com a letra ‘F’”, diz o documento, registrado nos livros da Câmara de Curitiba no dia 7 de novembro de 1746. Se o escravo já tivesse a marca, a determinação antes de levá-lo para a cadeia era para que lhe cortassem uma orelha “por simples mandado do juiz de fora ou ordinário da terra ou do ouvidor da Comarca, sem processo algum e só pella notoriedade do facto”.
Além da fabricação e armazenamento do carimbo, a Câmara recebeu a incumbência de nomear capitães-do-mato para a caça aos calhambolas (definidos como “aquillombados e vadios”), com a ajuda de negros, carijós ou bastardos. Se o escravo resistisse, a ordem real era clara: atirar e matar, sem o mínimo receio. Ao transcrever o registro do alvará em forma de lei à Câmara, o então diretor do Arquivo Municipal de Curitiba, Francisco Negrão, registrou, em 1924: “O negro não pertencia a especie humana: era animal (...)”.
Para ler o texto na íntegra, clique aqui.

Gravura feita por João Mulato, de 1817, retrata escravos carregando a sinhazinha e uma criança à missa, em Curitiba. A obra integra o acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (IHGPR). (Reprodução – Foto: Chico Camargo/CMC)

terça-feira, 18 de novembro de 2014

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

ninguém nunca mais escreverá ao coronel


Como de costume, nas quintas-feiras o coronel auxiliava sua mulher nas vendas de pães doces pelo vilarejo onde moravam. Pacientemente, de casa em casa, batiam à porta dos moradores oferecendo parte do pouco que produziam. Desde a conquista de sua aposentadoria três anos após a Revolução, o comércio de pães caseiros era a maneira que o casal encontrara para complementar a pensão recebida do Governo, diga-se de passagem, tão defasada pelas políticas previdenciais impostas nos últimos quinze anos. 

Em uma dessas andanças, enquanto a mulher adentrara na última residência da rua para entregar alguns pãezinhos previamente encomendados, o coronel se sentou na calçada para descansar. E ali, anestesiado pelo sol escaldante, adormeceu feito criança. Em questão de segundos viu-se personagem de contos mágicos, sendo obrigado a lutar contra pesadelos personificados - a morte dos dois filhos, as crises de asma que se intensificavam no inverno, a produção de pães cada vez mais cara (e menor), a pensão, as cartas que nunca chegavam e a iminência de ter que fazer do seu galo de rinha refeição. Em estado profundo de transe, deitado na calçada, desde então, nunca ninguém mais o viu. 

Oficialmente o jornal da cidade noticiou o sumiço como uma “prisão relâmpago”, acrescentando que, um dos aparentes motivos que justificariam a ação, seria o fato de que o coronel, no alto dos seus setenta e quatro anos, “estaria propagando inverdades sobre o Governo através de panfletos clandestinos, impressos em uma falsa fabriqueta de pães em sua própria residência”. Porém, boatos que circulam pelas ruas dão conta que o desfecho apresentado pelo noticiário não seria condizente com a verdade. 

Dizem seus compadres que o coronel aproveitou uma revoada de sararás para partir. Outros creem que o homem virou cão e agora perambula pelas ruas, farejando lixos e se banhando em rios. Não se sabe ao certo o que aconteceu. O que se sabe - e para isso existem provas mais do que suficientes - é que sua mulher continua produzindo pães e percorrendo as ruas do vilarejo nas quintas-feiras, esperançosa de que alguém, um dia, ainda lhe traga cartas do coronel.

12/nov-2014