domingo, 20 de outubro de 2013

espelho e reflexão

No teto de casa uma aranha formou sua teia. Ali, elas se confundem. São quatro pares de pernas entrelaçados aos incontáveis fios de seda, que oscilam cronicamente. Juntas, lembram muito mais a indefesa rosa dos ventos e seus quatro pontos cardeais do que o próprio aparato bélico presente que lhes garantem serem vistas. Precisa-las, somente a partir do horizonte - 23º 25’11.00’’S, 5º44’09.00’’ – e com algumas ressalvas. Ponto de partida ou ponto de chegada?

As quatro paredes do quarto, os quatro cantos da mesa - espelho e reflexão.

20/outubro-2013

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

insular

Músicas, melodias e letras, com raras exceções, compõem a trilha sonora de minha vida somente quando sou apenas mais um ponto brilhoso no calor metálico do trânsito curitibano: isto se, ainda, o tempo e a coincidência permitirem que estas emerjam de além-mar nos intervalos dos noticiários. Em casa, meu violão hoje serve de objeto de decoração e está longe de ser o instrumento que um dia me foi...
♜ ♝ ♞ 
É preciso recarregar, reinventar, reiniciar, reabastecer. Partindo dessa premissa, por lapso ou ventura, retornamos ao nosso ponto de origem e/ou à ponte que construímos.
♥ ♣ ♦ 
E aí nos debruçamos sobre ele/ela porque, simplesmente, o prazer nos justifica em fazê-lo.

que susto eu levei quando olhei no espelho 
- caralho, como estou ficando velho!
ainda bem que ela está comigo, 
cada vez mais bela, cada vez mais velha, 
cada vez mais linda, agora mais ainda, cada vez mais... 
(segura a onda, DG) 

combustível na reserva
troco a erva do chimarrão
não tá morto quem peleia, tchê
game over ainda não 
(recarga)

um fake com meu nome
um clone delirante
mal sabe o coitado
que um só já é o bastante 
(sua graça) 

pra matear alí, solito, 
gosto amargo da distância 
até que a vida nos separe 
da nossa humilde arrogância 
(milonga do xeque-mate) 

sem pressa e pra sempre, boca e braços 
distante de amantes, beijos e abraços 
prenda minha, foi bom te encontrar 
(essas vidas da gente)

Insular. Não necessariamente nesta ordem, mas todas do mesmo autor/cantor. Por falar nisso... aquele escreve é o mesmo que interpreta? Vai saber. 

terça-feira, 1 de outubro de 2013

o evangelho segundo Jesus Cristo

Então Jesus compreendeu que viera trazido ao engano como se leva o cordeiro ao sacrifício, que a sua vida fora traçada para morrer assim desde o princípio dos princípios, e, subindo-lhe à lembrança o rio de sangue e de sofrimento que do seu lado irá nascer e alagar toda a terra, clamou para o céu aberto onde Deus sorria, Homens, perdoai-lhe, porque ele não sabe o que fez. (ESJC, 444)
Olhando os homens e se referindo a Deus, é desta forma que Jesus encerra sua saga terrestre no romance escrito por José Saramago, “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”. Um texto ousado e diga-se de passagem perigoso, à medida que boa parte dos leitores que o procuram opta por interpretá-lo sob o prisma do fanatismo. 

Falar de Jesus enquanto filho de Deus nos parece uma tarefa árdua, mesmo porque os sacerdotes se reservam no direito de não aproximá-lo tanto de nós, reles mortais. Desta forma, o autor procura no livro apresentar Jesus como filho de homens. Primogênito, nascido cheio de sangue e viscoso de mucosidade, Jesus tem no texto a extraordinária experiência de possuir irmãos de sangue, em contraponto ao terrível sentimento de sentir e ver seu pai morto, crucificado aos 33 anos (por um suposto erro de destino ou engano, conforme palavras do próprio autor). Pôde, enfim, se dar ao luxo de conhecer e mergulhar no universo feminino de outra Maria, em passagem à cidade de Magdala, e com ela planejar sua família. Eu diria em outras palavras que Jesus se torna no enredo algo pelo qual permite nos identificar, deveras aceitável ou, para os mais radicais, suportável. 

Encurralado e carregando o peso quase que insustentável da revelação de seu próprio destino, Jesus é resultado do laconismo patriarcal pelo qual está submetido, e que não mede objeções às postas injustiças em nome de sua única e exclusiva causa. Nos longos diálogos presentes no texto se nota a insatisfação que o acompanha até sua morte: de receber sem pedir, de ser sem querer ser, de saber e não poder mudar. Para o autor, ser complacente ao destino previamente definido talvez tenha sido o mais evidente de todos os seus defeitos.

01/outubro-2013