terça-feira, 16 de dezembro de 2014

o homem duplicado

O caos é uma ordem por decifrar.

Mais inclinado à reflexão sobre a transitoriedade da vida e cada vez mais perplexo perante os autênticos labirintos cretenses que são as relações humanas. É assim, me sentindo exatamente como o protagonista dessa história, que finalizo a leitura de “O homem duplicado”, outra (porque são várias) obra inquietante daquele que tem sido, ao lado de Gabriel Garcia Márquez, o principal escritor dos quais tenho me dedicado ultimamente: o português José Saramago. 

A trama do livro está centralizada em Tertuliano Máximo Afonso, professor de História do colegial, que, entediado pelo marasmo da vida pacata que leva, procura meios de ocupar a cabeça com coisas menos relevantes do que dissertar sobre se a História deveria ser contada do presente para o passado ou do passado para o presente. Se tratando de um erudito professor de História, certamente aventurar-se em busca do desconhecido (e quem ler o livro entenderá o trocadilho) não é algo que julgaríamos ser difícil ou fora do contexto de sua profissão, contudo, nessa busca pela distração, a primeira de suas descobertas não tem relação com a disciplina que leciona, tampouco se refere à origem das civilizações mesopotâmicas ou a uma nova alínea do código de Hamurábi. Tertuliano Máximo Afonso descobre, durante o filme, ser um homem duplicado. 

Ilustração de Peter Kuper

Cabe dizer, aqui, que duplicado não significa gêmeo, nem clone. Duplicado, entre outras tantas definições encontradas no dicionário, é sinônimo de “repetido” – e é a partir daí que o enredo se torna ainda mais atraente (embora não linear), ao ponto de confundir as próprias personagens e os leitores menos atentos sobre quem é quem na história. 

Não pretendo me alongar e deixo que os curiosos leitores tirem suas próprias conclusões sobre o desfecho quando assim o quiserem, lendo. Mas em épocas de relações ditas líquidas, como as que temos vivido, onde até a maneira pela qual nos relacionamos com nós mesmos sofre cada vez mais a influência da modernidade, é salutar nos perguntarmos se de fato existimos enquanto indivíduos ou se não nos estaríamos duplicando pouco a pouco, um a um, até nos tornarmos complemente iguais uns aos outros. É ou não é? Responda-me quem puder. E salve-se quem quiser.
15/dez-2014