Bem-vindos a Curitiba, disse o motorista. O ônibus ainda não havia estacionado e os passageiros já se movimentavam para buscar suas malas no bagageiro. Entre eles, visivelmente agitado, um discreto senhor magro de calças curtas arrumava os finos fios de cabelos por debaixo do boné. Na manhã desta quarta-feira de cinzas, cenário desta breve passagem, uma parte da cidade se preparava para a quaresma enquanto a outra descansava do carnaval.
Com uma pequena e surrada mala de couro na mão direita, o discreto senhor magro de calças curtas percorreu o saguão de desembarque como se fugisse do próprio corpo. Às pressas, queria ele encontrar a todo custo um espaço onde lhe conferissem permissão de ao menos acender cigarros e sentir, mesmo que por poucos minutos, a fumaça entrando em seus pulmões: um, dois, três – fumaria tanto fosse necessário para compensar o tempo de viagem desde a última parada. Bem sabemos que depois de saciadas nossas necessidades psicofisiológicas básicas, nos sentimos mais dispostos para seguir adiante (especialmente no caso do discreto senhor magro de calças curtas).
Assim que é e assim o fez. Atravessou a Avenida Presidente Afonso Camargo admirado pelos grandes ônibus vermelhos que por ali trafegavam. Mais tarde, no retorno da viagem, os definiria aos filhos como “coisas de outro mundo”. Com a mesma disposição, já no Mercado Municipal, contou as moedas e pediu um café sem açúcar. Não queria perder mais tempo: observou o número de pessoas que saíam da rodoviária em direção ao lado direito (pra quem olha do lado oposto da rua) e percebeu que era relativamente maior do que o número de de pessoas que saíam para o lado esquerdo. Isso bastou-lhe para que decidisse qual rumo seguir.
Caminhou lentamente quase que por dez minutos, ainda vislumbrado com uma paisagem anteriormente só conhecida pela televisão. Passou por mendigos enrolados em cobertores, vendedores ambulantes, automóveis, ciclistas, outros grandes ônibus vermelhos, andarilhos e trabalhadores. Mal sabia ele que na Avenida Sete de Setembro lhe imporiam engraxe nos sapatos a preço de uma cédula rosa – um assalto travestido que, se tratando de novidade, foi engolido com saliva e tabaco.
Caminhou lentamente quase que por dez minutos, ainda vislumbrado com uma paisagem anteriormente só conhecida pela televisão. Passou por mendigos enrolados em cobertores, vendedores ambulantes, automóveis, ciclistas, outros grandes ônibus vermelhos, andarilhos e trabalhadores. Mal sabia ele que na Avenida Sete de Setembro lhe imporiam engraxe nos sapatos a preço de uma cédula rosa – um assalto travestido que, se tratando de novidade, foi engolido com saliva e tabaco.
Quando avistou o relógio da estação em frente à Praça Eufrásio Corrêa seus ponteiros marcavam a décima primeira hora do dia. O fluxo de pessoas novamente aumentara, o que, pela lógica do discreto senhor magro de calças curtas, era mais um indício de que finalmente havia chegado onde queria. Confirmou sua hipótese quando, ao adentrar na estação, viu ali estacionada uma locomotiva preta e vermelha carregada de flores. Enxugando a testa suada com a manga da camisa, e em estado de mania pelo sucesso da caminhada, dirigiu-se ao quiosque mais próximo e retirou da pequena e surrada mala de couro um mapa antigo do Paraná:
- Por favor, seu pedido, senhor? – perguntou a atendente.
- Um bilhete para o litoral. Vou de trem pela serra do mar! – respondeu.
17/set-2014