segunda-feira, 27 de abril de 2015

o tema da vitória

Sou um baita chorão. Choro por qualquer coisa que qualquer outro homem talvez não chorasse: cenas de novelas, casais (des) e apaixonados, gente como a gente pedindo nos semáforos, por entes que se foram, pelos entes que ficaram, por notícias em jornais, por aqueles que também choram. E antes que me venham dizer que homem não chora nem por nem por amor, como canta o Frejat, alerto: falem, porque se tem uma coisa das quais não me envergonho, é de chorar. 

Choro um choro doído. E não somente quando a dor é insuportável, mas também como forma de expressar de minha empatia. Chorar, muitas vezes, é um importante canal de diálogo que abro com o mundo e comigo mesmo. É a drenagem que discretamente ofereço a minha alma; a válvula de escape por vezes tão necessária.

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Recentemente, assistindo a um compilado dos principais acontecimentos da década de noventa, me flagrei aos prantos durante a exibição das reportagens sobre a morte de Ayrton Senna, gravadas à época de seu trágico acidente. No dia em que ele morreu eu só tinha cinco anos e, se não fossem as falsas memórias que criei a partir de então, pela intensa exibição do fato na mídia, certamente eu me recordaria muito pouco daquele que se tornou um dos mais renomados (quiça o maior) ídolos do esporte brasileiro. Mas por que chorar por alguém tão distante de mim?

Comecei a refletir sobre o que acabará de ocorrer. Por mais que com cinco anos eu devesse estar mais interessado em brincar de outras coisas que não fossem os grandes prêmios de fórmula um, as lembranças de Ayrton Senna me fazem rememorar uma parte de minha vida que passou e não mais voltará. Uma parte pra lá de boa, diga-se de passagem. E é por ela que choro este choro bom, mas que dói tanto quanto os outros.

Tendo especialmente o “Tema da Vitória” como fundo musical, as imagens de Senna representam para mim os inúmeros domingos em família e o estranhamento diante de meus primeiros passos no kart, motivado por desejos alheios que certamente também por elas foram influenciados. Hoje, representam o que foi minha mãe, companheira fiel de meu pai, que alternava sentimentos de alegria pelo que assistia na TV, e de apreensão pelo que via ao vivo nas pistas de rua nos kartódromos e entorno da cidade. Representam minha saudade.

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O automobilismo já ficou pra trás há muito tempo, enroscado numa dessas perigosas curvas da vida. As lembranças e as lágrimas, não.
O bolo de meu aniversário de seis anos (1994) foi produzido em homenagem a Ayrton Senna e ao projeto do Kart Club de Guarapuava, que meu pai se tornaria presidente fundador em 1995. Também era ano de Copa do Mundo de futebol.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

la utopia


La utopía está en el horizonte. Camino dos pasos, ella se aleja dos pasos y el horizonte se corre diez pasos más allá. Por mucho que camine, nunca la alcanzaré. Entonces, ¿para que sirve la utopía? Para eso, sirve para caminar.

Eduardo Galeano
1940
2015

quinta-feira, 9 de abril de 2015

um café, por favor

Tão logo regressou do litoral depois de sua épica aventura narrada por esse blog, o discreto senhor magro de calças curtas protagonizou outra estória que vale a pena ser aqui rememorada. 

Contam os funcionários de um famoso restaurante de beira de estrada que, dias atrás, um ônibus pertencente à empresa que monopoliza a linha até a capital estacionou nas dependências do estabelecimento por volta das quatro horas da manhã. Geralmente alguns comerciantes procuram acordar com as empresas para que as ditas paradas de descanso aconteçam em suas propriedades, pois é uma maneira de conseguirem clientes no melhor estilo uma mão lava a outra (mas isso é assunto pra outra hora porque, como diz o velho deitado, o que é acordado não sai caro). 

Apagadas as luzes do veículo, conforme relato dos poucos funcionários em vigília naquele momento, parte dos insones passageiros se dirigiu aos banheiros, sedentos de um mictório que balançasse o menos possível. Outros continuaram reclinados em suas poltronas, com os olhos semiabertos, à espera que a parada fosse breve. Mas a movimentação que acabara de ocorrer é considerada tão normal por quem vive há muito nesse universo chamado restaurante de beira de estrada que passaria despercebida não fosse a presença marcante dele, o nosso protagonista. O discreto senhor magro de calças curtas caminhava lentamente e mancando, junto ao grupo dos que foram ao banheiro. Quem de longe o via poderia dizer que havia percorrido distâncias superiores do que a capacidade humana supõe pensar. E mais do que isso, na sola do sapato.

Não seria estranho imaginar, para quem andou de maneira sobre-humana, que a fome a iria chegar com mais intensidade. E claro que, novamente saciadas as necessidades fisiológicas básicas, principalmente as que não podem aguardar por muito tempo, é parte da estória que o discreto senhor magro de calças curtas mal deixe o banheiro e já seja avistado sentado na bancada onde diz “lanchonete” (na condição de narrador eu poderia me reservar no direito de não dizer que o cigarro do discreto senhor magro de calças curtas foi propositalmente deixado para depois, mas optei por registrar essa intenção).

Por mais que a parada fosse pequena, se medida pelas unidades do tempo, um quarto de hora é suficiente para uma boa urinada e um digno copo de café. Contrariando as previsões dos mais otimistas leitores, o discreto senhor magro de calças curtas não pediu um sanduíche e se deu por satisfeito em apenas enganar o estômago. Talvez o que chamo satisfação, nesse caso, esteja em função da sua economia pessoal, haja vista que, mais tarde, soube-se que o pagamento fora feito com poucas moedas e a relação comercial só teve sucesso porque contou com o bom coração daquele que o(a) atendeu.

Mas voltando ao terceiro parágrafo, sobre o que tornou a parada algo fora do comum, cabe dizer que não foi o pouco dinheiro e nem a vestimenta que usava, embora seja isso o que caracteriza o discreto senhor magro de calças curtas. Envergonhado sobre como deveria fazer o pedido e sem saber como diferenciar os inúmeros tipos de cafés disponíveis, resultado de uma lógica social internalizada de que tudo no mundo precisa necessariamente estar rotulado, recorreu à experiência do que haveria lido pelo caminho e vivido na colônia para pedir o mais barato possível, desde que não fosse um pingado, um expresso, tampouco um cappuccino. Nomes como esses poderiam pesar no bolso:

- E o senhor, o que deseja? – perguntou o(a) atendente.
- Um café...
- Expresso? Com leite?
- Não, não. Me vê um desses colonial – arriscou.
Ilustração "Caipira picando fumo" de Almeida Júnior (1893) que muito se assemelha à imagem do discreto senhor de calças curtas relatada pelos funcionários do restaurante. Clique para ampliar.

08/abr-2015

segunda-feira, 6 de abril de 2015

redes sociais: assim caminha (se informa) a humanidade

O advento das redes sociais definitivamente acabou com aquilo que fazia da internet algo muito mais agradável do que é hoje: a busca pela "informação" em fontes que estão à margem do circuito da grande mídia. Basta acessar novamente os blogs (mídia alternativa) que você mais gostava "antigamente" para notar que estes deixaram de ser alimentados quando o twitter e o facebook (principalmente) tomaram conta do tempo dos internautas. Mas embora pareça contraditório, acaba que uma parte desses mesmos usuários (emissores e receptores) utiliza as redes sociais como fontes de notícias, sem ao menos checar a veracidade daquilo que compartilha. Eu disse uma parte, não todos(as).

E por que? Talvez o sucesso das redes sociais seja o resultado de uma mistura do que é público (o que é de todos) com o privado (o que é meu), estando mais relacionado à necessidade de “saber sobre o outro” do que única e exclusivamente às vontades de “ser ouvido” ou de que “os outros saibam de mim” (embora tais vontades tenham peso bastante grande para a manutenção destas febres). O conceito de rede implica que cada ator envolvido desempenhe um papel específico (mesmo que inconsciente) para que seu objetivo seja alcançado. Por que os usuários que pouco interagem nas redes sociais continuam a manter seus/suas perfis/contas ativos(as)? Porquê eles têm ciência do papel que lhes cabe nesse processo: ser plateia, manifestando-se ou não, aplaudindo ou não. E tudo isso é intrínseco aos próprios mecanismos de algumas redes, que em grande parte obrigam o internauta a “saber” sobre algo (quando falo “saber sobre algo” não estou me referindo a alguém em específico, mas sim a tudo àquilo que nos é entregue de mãos beijadas nas redes sociais – informações, opiniões, expressões, notícias, exposições pessoais, imagens, etc, nem sempre agradáveis ou confiáveis). A "informação" (o que é público) aqui, verídica ou não, vem de carona com o que me diz respeito (o que é privado).

Mesmo levando em conta esses aspectos tão “chatos” das redes sociais que todos nós conhecemos, manter-nos conectados ainda cria a falsa impressão de que estamos integrados ao mundo e, de certa forma, resguardado o senso-comum, de que podemos controlá-lo. Somado a isso, e não menos importante, há que se considerar a necessidade de pertencimento e identificação a determinados grupos que todos nós sentimos. Como abandoná-las se os grupos a que nos identificamos (amigos, trabalho, família, militância, etc) continuam nelas conectados? Ninguém quer ser um peixe fora d’água, mas a que se tirar o chapéu pra quem consegue viver bem fora dela.

Tenho saudade do tempo (e nem faz tanto tempo assim) em que a internet era mais lenta e cada descoberta era comemorada. Do barulho do ICQ, da espera até dar meia noite para economizar nos pulsos (internet discada), da criatividade dos internautas que criavam seus próprios espaços na www. Hoje, se te perguntam quantos sites você acessa por dia para se informar, certamente sua própria resposta te deixaria surpreso ao correlacioná-la com o período que passas em frente ao computador. Estamos nos informando pouco?

Se não aprendemos a lidar nem com a democracia, o fato é que vai demorar um bom tanto para que aprendamos a nos relacionar com a velocidade das informações e, principalmente, com o que faz ou não sentido nessa guerra de pixels e bytes. E esse aprendizado inevitavelmente só se dará historicamente. Portanto, se és um(a) daqueles(as) que passa boa parte do tempo curtindo e compartilhando por aí, fica a dica: faça-os com moderação. A maneira como você se comporta na internet diz muito sobre você!

Clique para ampliar. É do Benett.
06/abr-2015