terça-feira, 10 de junho de 2014

ensaio sobre a cegueira

Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.

Se você tem olhos e com eles consegue ver, certamente já se imaginou fisicamente cego, por nascença ou destino. Se não, passou a se imaginar agora, após terminar de ler esta frase. 

A imaginação, como percebes, também está relacionada àquilo que do mundo conseguimos interpretar. Faça um teste: você mal concluiu a leitura da frase acima e logo se tornou a mais nova vítima da cegueira, caro leitor. Mas tenha calma! Embora o mundo não seja feito para os cegos, existe um mar de pessoas ao seu redor que serão teus olhos enquanto você ressignifica os seus. Agora imagine como seria esta adaptação se, além de você, todos ao seu redor também cegassem. No mínimo, dolorosa!

É a partir desta premissa que o enredo de "Ensaio sobre a cegueira" descreve uma das maiores histórias de ficção da literatura, sem abandonar em uma linha sequer as substâncias pelas quais nós, homens sábios, somos feitos. A epidemia que se alastra pela cidade vem para lapidar nossos sentidos e comportamentos, de forma que sejamos novamente reduzidos à parte mais natural e selvagem da nossa essência enquanto animais. 

Mais angustiante do que não ter olhos é perceber no texto o quão somos pobres de visão e espírito. Onde está nossa responsabilidade de se ter olhos quando todos os perderam? É metaforicamente neste sentido que José Saramago nos convida a refletir.

10/jun-2014