Já ouvi muita gente dizendo que o melhor pai é aquele que o filho o tem como amigo. Já ouvi, porém, que ser amigo do filho faz com que este saia em busca de um pai. Como dimensionar o que é saudável numa relação habitualmente tensionada?
Na primeira, segunda e terceira infâncias parece-nos que ser pai e ser filho é o que basta. Nesse período o filho busca a proteção de um pai que seria natural querer protegê-lo (ou pelo menos deveria), numa constante retroalimentação. Depois disso, a afeição entre os dois pode até caracterizar um laço de amizade no que diz respeito à lealdade, altruísmo e confidencialidade, mas isso não significa dizer que a partir da adolescência pai e filho necessariamente se tornam amigo um do outro, no sentido mais puro da palavra.
A relação parece se tornar mais amistosa, de fato, quando o filho deixa de idealizar o pai e passa a reconhecê-lo como sujeito de defeitos, sem dispor de superpoderes, exatamente igual a qualquer outro ser-humano. O pai - que aos olhos do filho jamais errava - torna-se, então, alguém com o que o filho pode conversar de igual para igual.
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Eu devia ter uns oito anos quando fomos à pista de motocross da cidade assistir um dos mais renomados acrobatas sobre duas rodas do país. Eu, meu pai e alguns parentes. Na época era permitido que a plateia bebesse cerveja durante o espetáculo de “desafio à vida”. Se me perguntassem, hoje eu não conseguiria precisar o número de pessoas que estava dentro do circuito, mas dá pra dizer que, se metade da cidade estava lá, certamente uma metade desta metade estava alcoolizada.
Por óbvio que, dadas às circunstâncias, o caos se instalou após dois homens iniciarem uma discussão ao nosso lado. Pasmo, eu ficava olhando as trocas de socos e pontapés cada vez mais acentuadas na confusão que se tornara generalizada. Pensava que alguém deveria fazer algo para apaziguar a situação, com a única certeza de que esse alguém só poderia ser meu pai. Eu o idealizava.
Foi então que ele me puxou pelo braço e disse que iríamos pra casa. Como que o único ente capaz de resolver aquilo tudo, num ato de covardia, simplesmente iria embora? Sua medida protetora me deixou absolutamente decepcionado e sem entender nada! Anos depois, rememorando o caso e tentando assimilar as contingências daquela atitude, percebi que não foi coragem o que lhe faltou. Sobrava-lhe amor, isso sim, amor de pai. Suficiente o bastante para que, a partir dessa e outras decepções que se seguiram, eu futuramente pudesse olhar em seus olhos, como fazem os de fé e irmãos camaradas, e compreender que na vida nem todas as brigas valem a pena ser brigadas.
Do Bill Watterson. Clique para ampliar.
18/mar-2015
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