quinta-feira, 13 de novembro de 2014

ninguém nunca mais escreverá ao coronel


Como de costume, nas quintas-feiras o coronel auxiliava sua mulher nas vendas de pães doces pelo vilarejo onde moravam. Pacientemente, de casa em casa, batiam à porta dos moradores oferecendo parte do pouco que produziam. Desde a conquista de sua aposentadoria três anos após a Revolução, o comércio de pães caseiros era a maneira que o casal encontrara para complementar a pensão recebida do Governo, diga-se de passagem, tão defasada pelas políticas previdenciais impostas nos últimos quinze anos. 

Em uma dessas andanças, enquanto a mulher adentrara na última residência da rua para entregar alguns pãezinhos previamente encomendados, o coronel se sentou na calçada para descansar. E ali, anestesiado pelo sol escaldante, adormeceu feito criança. Em questão de segundos viu-se personagem de contos mágicos, sendo obrigado a lutar contra pesadelos personificados - a morte dos dois filhos, as crises de asma que se intensificavam no inverno, a produção de pães cada vez mais cara (e menor), a pensão, as cartas que nunca chegavam e a iminência de ter que fazer do seu galo de rinha refeição. Em estado profundo de transe, deitado na calçada, desde então, nunca ninguém mais o viu. 

Oficialmente o jornal da cidade noticiou o sumiço como uma “prisão relâmpago”, acrescentando que, um dos aparentes motivos que justificariam a ação, seria o fato de que o coronel, no alto dos seus setenta e quatro anos, “estaria propagando inverdades sobre o Governo através de panfletos clandestinos, impressos em uma falsa fabriqueta de pães em sua própria residência”. Porém, boatos que circulam pelas ruas dão conta que o desfecho apresentado pelo noticiário não seria condizente com a verdade. 

Dizem seus compadres que o coronel aproveitou uma revoada de sararás para partir. Outros creem que o homem virou cão e agora perambula pelas ruas, farejando lixos e se banhando em rios. Não se sabe ao certo o que aconteceu. O que se sabe - e para isso existem provas mais do que suficientes - é que sua mulher continua produzindo pães e percorrendo as ruas do vilarejo nas quintas-feiras, esperançosa de que alguém, um dia, ainda lhe traga cartas do coronel.

12/nov-2014

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