quinta-feira, 9 de abril de 2015

um café, por favor

Tão logo regressou do litoral depois de sua épica aventura narrada por esse blog, o discreto senhor magro de calças curtas protagonizou outra estória que vale a pena ser aqui rememorada. 

Contam os funcionários de um famoso restaurante de beira de estrada que, dias atrás, um ônibus pertencente à empresa que monopoliza a linha até a capital estacionou nas dependências do estabelecimento por volta das quatro horas da manhã. Geralmente alguns comerciantes procuram acordar com as empresas para que as ditas paradas de descanso aconteçam em suas propriedades, pois é uma maneira de conseguirem clientes no melhor estilo uma mão lava a outra (mas isso é assunto pra outra hora porque, como diz o velho deitado, o que é acordado não sai caro). 

Apagadas as luzes do veículo, conforme relato dos poucos funcionários em vigília naquele momento, parte dos insones passageiros se dirigiu aos banheiros, sedentos de um mictório que balançasse o menos possível. Outros continuaram reclinados em suas poltronas, com os olhos semiabertos, à espera que a parada fosse breve. Mas a movimentação que acabara de ocorrer é considerada tão normal por quem vive há muito nesse universo chamado restaurante de beira de estrada que passaria despercebida não fosse a presença marcante dele, o nosso protagonista. O discreto senhor magro de calças curtas caminhava lentamente e mancando, junto ao grupo dos que foram ao banheiro. Quem de longe o via poderia dizer que havia percorrido distâncias superiores do que a capacidade humana supõe pensar. E mais do que isso, na sola do sapato.

Não seria estranho imaginar, para quem andou de maneira sobre-humana, que a fome a iria chegar com mais intensidade. E claro que, novamente saciadas as necessidades fisiológicas básicas, principalmente as que não podem aguardar por muito tempo, é parte da estória que o discreto senhor magro de calças curtas mal deixe o banheiro e já seja avistado sentado na bancada onde diz “lanchonete” (na condição de narrador eu poderia me reservar no direito de não dizer que o cigarro do discreto senhor magro de calças curtas foi propositalmente deixado para depois, mas optei por registrar essa intenção).

Por mais que a parada fosse pequena, se medida pelas unidades do tempo, um quarto de hora é suficiente para uma boa urinada e um digno copo de café. Contrariando as previsões dos mais otimistas leitores, o discreto senhor magro de calças curtas não pediu um sanduíche e se deu por satisfeito em apenas enganar o estômago. Talvez o que chamo satisfação, nesse caso, esteja em função da sua economia pessoal, haja vista que, mais tarde, soube-se que o pagamento fora feito com poucas moedas e a relação comercial só teve sucesso porque contou com o bom coração daquele que o(a) atendeu.

Mas voltando ao terceiro parágrafo, sobre o que tornou a parada algo fora do comum, cabe dizer que não foi o pouco dinheiro e nem a vestimenta que usava, embora seja isso o que caracteriza o discreto senhor magro de calças curtas. Envergonhado sobre como deveria fazer o pedido e sem saber como diferenciar os inúmeros tipos de cafés disponíveis, resultado de uma lógica social internalizada de que tudo no mundo precisa necessariamente estar rotulado, recorreu à experiência do que haveria lido pelo caminho e vivido na colônia para pedir o mais barato possível, desde que não fosse um pingado, um expresso, tampouco um cappuccino. Nomes como esses poderiam pesar no bolso:

- E o senhor, o que deseja? – perguntou o(a) atendente.
- Um café...
- Expresso? Com leite?
- Não, não. Me vê um desses colonial – arriscou.
Ilustração "Caipira picando fumo" de Almeida Júnior (1893) que muito se assemelha à imagem do discreto senhor de calças curtas relatada pelos funcionários do restaurante. Clique para ampliar.

08/abr-2015

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