terça-feira, 1 de outubro de 2013

o evangelho segundo Jesus Cristo

Então Jesus compreendeu que viera trazido ao engano como se leva o cordeiro ao sacrifício, que a sua vida fora traçada para morrer assim desde o princípio dos princípios, e, subindo-lhe à lembrança o rio de sangue e de sofrimento que do seu lado irá nascer e alagar toda a terra, clamou para o céu aberto onde Deus sorria, Homens, perdoai-lhe, porque ele não sabe o que fez. (ESJC, 444)
Olhando os homens e se referindo a Deus, é desta forma que Jesus encerra sua saga terrestre no romance escrito por José Saramago, “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”. Um texto ousado e diga-se de passagem perigoso, à medida que boa parte dos leitores que o procuram opta por interpretá-lo sob o prisma do fanatismo. 

Falar de Jesus enquanto filho de Deus nos parece uma tarefa árdua, mesmo porque os sacerdotes se reservam no direito de não aproximá-lo tanto de nós, reles mortais. Desta forma, o autor procura no livro apresentar Jesus como filho de homens. Primogênito, nascido cheio de sangue e viscoso de mucosidade, Jesus tem no texto a extraordinária experiência de possuir irmãos de sangue, em contraponto ao terrível sentimento de sentir e ver seu pai morto, crucificado aos 33 anos (por um suposto erro de destino ou engano, conforme palavras do próprio autor). Pôde, enfim, se dar ao luxo de conhecer e mergulhar no universo feminino de outra Maria, em passagem à cidade de Magdala, e com ela planejar sua família. Eu diria em outras palavras que Jesus se torna no enredo algo pelo qual permite nos identificar, deveras aceitável ou, para os mais radicais, suportável. 

Encurralado e carregando o peso quase que insustentável da revelação de seu próprio destino, Jesus é resultado do laconismo patriarcal pelo qual está submetido, e que não mede objeções às postas injustiças em nome de sua única e exclusiva causa. Nos longos diálogos presentes no texto se nota a insatisfação que o acompanha até sua morte: de receber sem pedir, de ser sem querer ser, de saber e não poder mudar. Para o autor, ser complacente ao destino previamente definido talvez tenha sido o mais evidente de todos os seus defeitos.

01/outubro-2013

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