A incrível capacidade de Jorge Amado carnavalizar seus enredos coloca seu nome no topo da lista dos mais importantes escritores brasileiros. Carnavalizar, em seu sentido mais amplo, é misturar cristão e pagão, sagrado e profano, direita e esquerda, público e privado, arte e vida, vida e morte. Jorge Amado, brincando, transforma ficção em conto, em alucinação romanesca, em novela e verdade.
O que dizer, por exemplo, de Joaquim Soares da Cunha, de boa família, exemplar funcionário da mesa de rendas estadual, de passo medido, barba escanhoada, paletó negro de alpaca, pasta sob o braço, ouvido com respeito pelos vizinhos, opinando sobre o tempo e a política, jamais visto num botequim, de cachaça caseira e comedida, que mesmo morto de morte morrida ganhou ainda mais vida nas linhas do escritor? Joaquim, pasmem, virou Quincas Berro Dágua, o morto mais vivo do Brasil. Eis aqui a vida imitando a arte - a vitória de Arlequim sobre Pierrô, do id sobre o ego, da carne, do carnaval.
E como se já não bastasse à própria vida levada às avessas, o que para alguns configura um dos maiores motivos da vergonha, Quincas ainda teve de suportar o desprezo dos poucos existentes familiares, que, vencidos pelo cansaço, deixaram-no velar por seus mais fiéis amigos de botequim. Os desfechos sobre as mortes de Quincas deixarei à mercê da curiosidade dos leitores. Mas alerto, não há nada mais tragicômico que velório de bêbado. É a arte imitando a vida!
05/março-2014
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